









Contato_Cidade
street pole - performance pública
março de 2013
Nos últimos anos, algumas práticas esportivas e artísticas ganharam bastante reconhecimento por sua relação com o espaço urbano. O skate, o parkour, o grafite e o lambe-lambe são exemplos de práticas urbanas onde indivíduos aplicam suas capacidades na rua, imprimindo no espaço suas ações e voz. Há, também, uma prática um pouco menos difundida, chamada pole street.
As imagens produzidas para o trabalho Contato_Cidade partem da vontade de realização de uma ação de intervenção urbana. Também surgiram da investigação sobre a relação do transeunte com a cidade, suas formas e arquitetura. Trata-se da união da prática do street pole (técnica aérea de dança na rua) a um ensaio fotográfico com nuances de performance no espaço urbano. Trata também das possibilidades de relação do corpo com a rua, da ocupação e tomada dos postes da cidade com movimentos de torção física provenientes dessa técnica.
As imagens apresentam um questionamento sobre os encaixes e interações do corpo com a as forças e formas da rua. A ideia é abordar as possibilidades de força e encaixe ao invés de sinuosidade e erotismo, características sempre embutidas na prática do pole. O pole possui um estigma de cabaré, uma associação imediata a casas noturnas, dançarinas e prostituição. Foi buscada uma forma de despir a prática dos estereótipos que comumente a definem e transporta-lo a um ambiente onde o caminhante corriqueiro pode tomar contato com aqueles que a praticam.
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A rua é um espaço de convergência de pessoas, manifestações, objetos, imagens e substâncias. Cada transeunte carrega consigo todos os dias elementos que moldam e transformam a cidade onde vivem. As calçadas e lixeiras foram todas posicionadas neste espaço para atender às necessidades de seus habitantes. A rua, para todos os efeitos, pertence às pessoas.
Entretanto, o homem estranha seu habitat. Existe uma resistência de interação real com a cidade por parte de seus moradores, em função de diversos fatores: pressa, proibições, textos imperativos impressos por toda parte. “Não pise”, “Pare”, Não Estacione”. O grafite ainda carrega consigo uma reputação marginalizada. O homem perde diariamente sua capacidade de interagir e imprimir sua marca em seu ambiente natural.
As fotografias Contato_Cidade foram realizadas afim de registrar as possíveis composições visuais provenientes da relação corpo/cidade obtidas através da prática do pole street. Em decorrência desta decisão, foi possível também criar registros de reações dos passantes à manifestação ali ocorrida.
O corpo é repleto de potencialidades visuais já amplamente exploradas em tempos diversos, por inúmeras práticas artísticas: aspectos geométricos, cores, texturas, dimensões, pesos e significados. Ao colocarmos o corpo em situação de torção e tensão na cidade, conseguimos criar imagens onde a figura humana simula as formas presentes na rua e perde sua característica ordinária e pré-determinada por convenções sociais estabelecidas de vestimenta, postura e atuação.
A decisão de realização do trabalho a partir da fotografia se deu para que fosse possibilitado o registro destas formas de maneira estática. O corpo estático dialoga com os postes, faróis e meios-fios da cidade por sua permanência sem oscilações ou interferência de movimento no espaço. A rigidez e força aplicada nos movimentos procura aludir à forma condicionada e impessoal como os indivíduos carregam seus próprios corpos ao longo das calçadas e ruas.
As imagens receberam pequenos ajustes de luz e contraste, mantendo desta forma maior fidelidade ao instante fotográfico. O pole street não é pensado como uma prática estática, por sua raiz associada a dança e movimento. Portanto, a figura criada na barra pela bailarina se mantém por apenas 1 ou 2 minutos.
As origens do Pole Dance vêm da prática do Mallakhamb (que significa “homem de força” ou “ginástica do poste”). É yoga praticada em um poste de madeira e com cordas (principalmente praticado na Índia) e existe desde o século XII. No entanto, como disciplina esportiva, existe a aproximadamente 250 anos. Outra disciplina, que está diretamente relacionada com o pole dance de hoje, é conhecida como Mallastambha (que significa “ginástica do pilar”), técnica usada pelos antigos lutadores de wrestling para ganhar força e desenvolver os músculos.O mallastambha não é mais praticado nos dias de hoje. O Mallakhamba do poste (pole) ainda é praticado por homens e meninos e o Mallakhamba da corda é praticado por mulheres e meninas.
O Pole Dance, como o conhecemos hoje, se originou durante os anos 20, no ápice da Grande Depressão Americana. Tour Fair Shows (que se originaram do negócio dos tours de circo) viajavam de cidade à cidade divertindo as multidões. Como parte do espetáculo principal também existiam outros shows paralelos em tendas pequenas ao redor da tenda do circo principal. Uma dessas tendas famosas era conhecida como o show erótico das dançarinas Hoochi Coochi. A palavra Hoochi Coochi se originou do movimento que as dançarinas faziam com o quadril. As garotas dançavam sugestivamente em um palco pequeno em frente às multidões de assovios. Por causa do tamanho das tendas, o poste que segurava a tenda ficava bem na beirada dos pequenos palcos e as dançarinas começaram a se aproximar dos postes e dançar com eles. O poste das pequenas tendas tornou-se conhecido como o poste de dança que ainda existe hoje, no entanto, de uma forma mais tecnicamente e socialmente aceitável, à parte do estilo burlesco e erotizado.
A figura humana pode ocupar de formas distintas o espaço na cidade, explorando novas vistas e apreciações estéticas. A abertura a prática resulta na criação de um campo de investigação sobre a interação do corpo sobre os suportes urbanos – construções, vigas, placas e postes – e amplia as possibilidades de contato do indivíduo com a cidade.
O contato promovido pela prática possibilita maior compreensão sobre a materialidade daquilo que compõe a cidade, do indivíduo com o corpo e do corpo consigo mesmo. É necessário que se revisitem as velhas estigmas carregadas pelas convenções, que acabam por limitar, cercear e diminuir a potencial visão dos habitantes em relação a seu habitat. O corpo humano apresenta um potencial de significações infinitamente explorável pelo fazer artístico e atlético. Ao se criar pontes entre estas ciências, criamos também um campo de pesquisa fresco e novas potencialidades de expressão. O corpo é veículo de expressão. A cidade é o campo expressivo do coletivo.
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As fotos foram realizadas por dois fotógrafos diferentes, fotografando ao mesmo tempo, com câmeras Canon EOS 05.
créditos: Cassiano Reis e João Noronha
orientação: Prof. Katia Salvani