A pintura é apenas outra forma de manter um diário. 

Picasso

Este Panorama sem Perspectiva não se trata da construção de uma história progressiva. Para além dos elementos simbólicos, retóricos ou narrativos próprios da construção pictórica figurativa, as pinturas aqui apresentadas operam como a documentação visual de um entorno, como um índice do corpo do artista, como visões e experiências embaralhadas e reorganizadas através de sua transposição à planaridade do suporte. Dizem respeito à relação de um artista com o meio da pintura, fora de um entendimento temporal paulatino.

O intenso trânsito entre o retrato, a natureza morta e a paisagem marcam a trajetória da incessante investigação compositiva de Maurício. Sua movimentação entre gêneros se dá através de um fluxo natural calcado na história da arte, na medida em que esta se faz disponível enquanto campo de consulta e reverência. O artista conta com a disponibilidade da arte do passado e de seus procedimentos singulares, como um viajante de autodeterminação didática, explorando suportes e vocabulários visuais distintos. Mas o caráter de sua subordinação histórica é meramente um dado técnico dentro de um percurso congênito que culmina na consciência não-discursiva de sua obra.

Esta movimentação se faz visível em seu atelier. Este espaço, situado na fronteira entre o público e o privado, é o amago e o cerne de sua experiência do mundo. O papel do atelier é aquele do núcleo aglutinador, da lente convergente que capta as imagens e vivências do ambiente e as organiza em planos pictóricos. No atelier, o trabalho do artista encontra-se em suspensão temporal e em moldagem perpétua. Enquanto uma pintura não está acabada, seu potencial nunca se esgota. Desta forma, o atelier promove-se a um tema inesgotável. Para Maurício, o atelier é o ninho: seus autorretratos são seu atelier. Habitar o atelier é vasculhar a si mesmo, em exercício contínuo e vitalício. Criar convívio no espaço do atelier é sujeitar-se à construção conjunta do eu e da obra.

É como funcionam seus retratos. Este gênero de pintura, que historicamente tinha por objetivo eternizar as feições de uma realeza e aristocracia, e em seguida da burguesia e classe média, pressupunha a encomenda de um terceiro para o artista. A pesquisa em retratos de Maurício atua como um acondicionamento dos afetos, a construção de um relicário de afeições ou, como o próprio artista os define, como “um projeto de amizade”. É como se o próprio artista comissionasse a si mesmo – assumindo simultaneamente o papel do artificie e de seu cliente final.

A pintura de Maurício Parra é sua memória compartilhada, o empreendimento público de um permanente diálogo interno e retrospectivo, um projeto de reflexão sem perspectiva de fim. Sua pintura afirma a bagagem ampla de sua visão e descreve a participação do eu dentro de sua própria existência, através de seus convívios, objetos, ferramentas e corpo.

À parte dos demais efeitos, a obra de Maurício evidencia o deslocamento da autoconsciência da arte para a autoconsciência do artista. Maurício Parra é pintor por excelência, e sua pintura é um cartão postal enviado a si mesmo. Um instantâneo íntimo e aberto.

Carl Jung dizia: Confie naquilo que te dá significado e deixe que este seja seu guia. O ato de pintar é para Maurício tanto ofício quanto guia, tendo como perspectiva e significado a imperecível continuidade do processo da pintura.

 mariana coggiola

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A exposição Panorama sem Perspectiva de Maurício Parra é fruto da segunda parceria entre Epicentro Cultural e Galeria Mezanino no ano de 2015. Trata-se de uma mostra que busca abordar as diferentes investigações pictóricas do artista através da criação de um ambiente expositivo que reproduz parcialmente seu ambiente de atelier, espaço onde múltiplos caminhos abertos de pesquisa coexistem.

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Mauricio Parra (São Paulo, SP / 1976)

Maurício Parra é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Taubaté. Frequentou os ateliês de Rubens Matuck, Roberto Grassmann e o ateliê de gravura do Museu Lasar Segall. Como múltiplos vetores, cada qual indicando um direcionamento variado, o ateliê de Maurício Parra se desmembra em possibilidades, algumas aprofundadas até a exaustão, outras suspensas à espera de uma continuidade futura. Dentro desta lógica de pesquisa múltipla e simultânea o artista cria, quase sempre de observação, pinturas, desenhos, e gravuras que dialogam entre si, sem necessariamente apresentarem uma unidade óbvia de linguagem. Técnicas como o bolo armênio e gravura em metal convivem com pintura a óleo sobre tela ou papel. Temas distintos como referências a ícones russos, caixas de remédios ou paisagens dinamarquesas são retratados com igual interesse colocando o foco da produção não no quê mas no como se vê.Recebeu Prêmio Especial na 3º Bienal Nacional de Gravura de Atibaia (2007) o prêmio de Jovens Artistas do Espaço Cultural Citi Bank (2009) e menção Honrosa na Internacional SmallEngravingSalon (Romênia / 2009). Participou da Bienal Internacional de Gravura de Alijó (PT / 2012). Já realizou três individuais na galeria Mezanino, a última, resultado de residência no InternationalArt Workshop 2013, em Gludsted na Dinamarca. Em agosto 2015 foi artista em residência do Artists in Residence em Marianowo, na Polônia.

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fotos: nino andres