(...) se eu falo “A” este “a” é uma trombeta-alarma para a Humanidade. Se eu falo “B” é uma nova bomba na batalha do Homem.

 Eu - Vladimir Maiakovsky

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É preciso que se entenda a diversa obra de Sidney Amaral como uma única narrativa poética. Em seu momento de elegia, o artista versa sobre as mazelas do homem, sua brutalidade, o torpor produzido pelo ódio, apatia e frieza. Quando em idílio, Sidney exprime o sumo da virtude humana através de imagens e objetos que acalantam por sua prédica de fraternidade, ternura e amor.

 Sidney é um homem das artesanias. A recorrência das mãos em suas composições fala de um gosto real pelo trabalho de punho e dos músculos. É impossível não constatar em suas imagens o bom desenho e a destreza da manualidade. Sua maestria com a aquarela, técnica delicada e meticulosa, se opõe à mão pesada do artista no que tange os conteúdos de suas pinturas. A obra de Sidney Amaral transporta a denúncia do adverso que incomoda e desagrada, fala dos indizíveis da violência e do caos através do vocabulário lúdico e da metáfora precisa. A aflição é enroupada por eloquência e graça – o que faz do artista um grande orador.

 As relações criadas nos objetos de Sidney são próprias da livre associação psicanalítica. Só que o jogo de esvaziamento de função dos utensílios eleitos pelo artista não se limita a uma alusão à estratégia dos ready-mades e a uma constatação puramente conceitual. Na escultura de Sidney essa prática beira a antropomorfização que toca no sentido mais essencial de cada objeto. Ao trabalhar com a inserção dos membros femininos e masculinos nas formas de suas peças em bronze, Sidney discute arquétipos e atribuições de gênero presentes em nosso modus operandi social. Ao inserir uma xícara na extremidade de um sifão, o artista fala daquilo que descartamos e daquilo que ingerimos. Seus processos e execução gozam sempre de um literalismo acertado.

 No embate entre desejo e repulsa, o artista demonstra desenvoltura nos léxicos da virtude e do vício. A rica e sortida produção de Sidney nos confronta com tensões fundamentalmente humanas. O trauma social convive com avassalamento de suas paixões, num jogo permanente de libido e exaustão. Nesta brincadeira, o artista se posiciona hostilizado em seus próprios retratos quebradiços como protagonista da agressão que simbolicamente acomete todas as coisas frágeis e sólidas - como a casca dos ovos que tenciona ao ponto de rompimento ou a lâmpada que segura com força comedida. Assistimos mudos à instantes estáticos imediatamente precedentes ao movimento final.

 Em Desejo Inverso, Sidney nos empresta sua percepção ampla dos complexos fenômenos interpessoais. Fala do ponto comum do amor e do ódio: o asco e gana. Nos objetos de Sidney nos reconhecemos como seres humanos. Suas imagens nos impelem a refletir (e agir) sobre a aspereza do tempo presente.

mariana coggiola

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